quinta-feira, 21 de outubro de 2010

algemas.

Condenei tanto as mentiras alheias,
que acho natural mentir.
Condenei tanto o fracasso dos outros,
que nem ligo para o meu fracassar.
Condenei tanto a negligência das pessoas diante dos absurdos do mundo,
que também lavo as minhas mãos.
Condenei tanto o comodismo,
que agora me vanglorio do meu ócio.
Quando a gente se vê diante de tanta sujeira, de tanta mentira e de tanta trapaça,
começa a achar o que é errado, certo.
E acha normal enveredar por esse caminho.
...Logo eu, que tanto condenei as pessoas por agirem iguais as outras,
me tornei a maior Maria vai com as outras que o mundo já teve.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Escuridão

Não vejo flores em você.
Não vejo cores, não vejo ninguém.
Não vejo mais aquela pessoa
que coloquei num pedestal acima de mim.
Não vejo mais aquela inteligência inquebrantável,
não vejo mais nem a mim.
Não vejo no espelho os meus olhos refletir você.
Eles (os meus olhos) já se tornaram tão opacos,
que parecem carcomidos por uma catarata,
que me deixa sucumbir numa escuridão ausente de sentimentos.

Solidão calada.

Sigo arrastando os pés,
tateando pelas paredes da casa,
tão solitária quanto um membro da estirpe dos Buendía (do Márquez).
Como se o vento, o sol, as estrelas não tivessem sentido,
e o que é pior: como se não houvessem mais sonhos.
Eles -os sonhos- até podem existir,
mas não existe mais a vontade de concretizá-los.
Parece-me que já atingi a velhice de corpo e alma,
como se a desesperança que (geralmente) aplaca nessa idade
tivesse se apoderado de mim sem chances de querer me largar.