
Rindo, Rafael terminava de ajeitar os laços que enfeitavam os cachos dourados das meninas. Pela primeira vez ele sentia como era incômodo ter... Asas. Hoje ele amanhecera com essa sensação estranha.
Falando em sensação, ele gostava dessa história de sentir. Uma grande vitória vencida pelos anjos. Todos queriam ter sentimentos humanóides, obviamente que com algumas restrições, jamais poderiam sentir ódio e raiva. Mas podiam ficar alegres, tristes, rir, sentir amor... E era isso que fazia os irmãos Alice e Pedro – a quem Rafael guardava na terra – sentirem a presença de um alguém que os protegia.
Longe de quem pensa que cada humano tenha um anjo da guarda só pra si. Alguns amigos de Rafael possuíam até dez guardadores, mas ele preferia ter apenas dois, assim podia se dedicar melhor a eles. Na verdade, sua vida de anjo era fazer com que nenhum mal chegasse perto deles, reger-lhes, guarda-lhes... E nem era preciso eles juntarem suas mãozinhas e pedirem essa proteção, numa oração típica dos humanos. Independente de qualquer coisa, Rafael estava ali.
Ele adorava observar a vida de Alice e Pedro, meninos bem educados, que agora já eram adolescentes. Entristecia-se quando faziam alguma besteira e ele tinha que se desdobrar para salvar-lhes das conseqüências. Porque quando algo acontece a alguém, é porque seu anjo da guarda falhou, e Rafael fazia tudo para não falhar, poucas foram as vezes que isso acontecera.
Mas o que mais lhe entristecia não era seus guardadores não se preocuparem com as suas próprias vidas, mas sim não poder conversar com eles, ser amigo, compartilhar momentos...
A primeira regra dos anjos era clara: Jamais se revelar.
Prendendo o último laço no cabelo de Clarice, ele criou coragem e falou:
- Não quero mais ser anjo.
Clarice virou-se tão bruscamente que suas asas roçaram em seu rosto
- O quê? Rafael... Isso é loucura!
Bem que ela queria ouvir Rafael dizer que era tudo uma grande brincadeira, mas conhecia-o a ponto de saber que ele não falava uma coisa dessas à toa. Mas ela ia tentar:
- Rafael você sabe que isso é uma decisão sem volta! Imperdoável para quem aceitou a missão de ser anjo. Além de tudo, que conseguir isso é muito difícil.
- Clara... Eu venho pensando isso há tanto tempo! Mas a vontade surgiu e não consigo mais esquecer, parece que minha vida só vai ser vida se eu... descer. Quero ser amigo de Alice e Pedro, na verdade é o que mais quero, tenho certeza que seremos tão unidos!
Clarice tentava convencê-lo, na verdade para não perder um amigo, mas sempre notara essa vontade de Rafael, sempre querendo ser diferente, sempre querendo ser... Humano:
- Já que você falou nos irmãos Alice e Pedro, já pensou como eles vão ficar? Sem anjo da guarda? E como você vai conseguir essa façanha, de... de descer?
Rafael já tinha pensado em detalhes e ponderado tudo.
- Eu já tenho certeza do que quero... Ah, e você sabe! Pode muito bem guardá-los para mim, e lá na terra eu vou sempre protegê-los. Os amigos sempre querem bem
uns aos outros... E quanto a descer, vou fazer como os outros fazem, conversar com Deus.
Clarice suspirou triste e vencida.
- Desejo-te boa sorte, meu bom Rafael. Você merece o que quiser, cumpriu sua missão como ninguém... Vejo que essa sempre foi a sua vontade, e se sua felicidade está além dessas nuvens, vai.
Rafael ia sentir saudades daquela anjinha. Aliás, saudade era um sentimento humano belo pela sua ambigüidade: bom ao mesmo tempo que triste. E isto o fazia admirar ainda mais aquelas pessoas.
Sua conversa com Deus fora rápida, afinal Ele já sabia que a decisão de Rafael era sem volta, pediu apenas que continuasse sua missão na terra, e disse que teria a sua união com aqueles irmãos abençoada.
Suas asas sumiram, a auréola desapareceu, não se despediu e Desceu.
Um ano depois haviam três adolescentes conversando sobre o futuro. Um deles com traços deveras angelicais.
Uma garota empolgada dizia:
- Sabe... quando entrarmos para a faculdade bem que poderíamos morar juntos. Rafael, você vai conosco, não vai?
Sem pensar Rafael já sabia a resposta:
- Vou aonde vocês forem... Já vivemos tanta coisa em tão pouco tempo, que é o suficiente para sabermos que jamais vamos nos separar.
Um outro menino sorrindo falou:
- Almas trigêmeas Rafa pode ter certeza. Vamos uns com os outros a qualquer lugar do mundo.
Abraçaram-se e emocionaram-se. Uma amizade que mais parecia divina, de outro mundo. E Rafael riu intimamente, lá no céu amizades fortes assim eram as almas gêmeas que os humanos tanto falavam, mas nunca souberam ao certo o que era. Alma gêmea é nada mais, nada menos que um anjo que desceu a terra para te acompanhar.